METAL D.C. #2 - David Pais

Foto: Bruno Novais (Framous)

Natural de Ovar, David Pais é o que se pode chamar um "animal musical". Começou a compor aos treze anos e torna-se até difícil contabilizar todos os seus contributos artísticos. SUBVERSIVE, ONE HUNDRED AND TWENTY, SULLEN, ASHES, TÓ PICA, são apenas alguns dos projectos que mantém activos e para os quais contribui com voz, à excepção dos seus THE9THCELL em que assume todos os créditos. Dá também um pezinho de dança nos tributos a ALICE IN CHAINS e Chris Cornell, os ALICE IN PAIN e SOUNDSLAVE, respectivamente, e até no audiovisual, criando bandas sonoras e fazendo locuções para anúncios. Todavia, é a criação, no seu estado mais puro, que o alimenta e equilibra o espírito. Sempre com um "truque" na manga, o artista de 35 anos não sucumbe aos turbulentos momentos de pandemia e mantém a máquina a todo o vapor. Tal, no entanto, não lhe ofusca a lucidez e reconhece que os tempos são difíceis. É um olhar sobre o mundo "Depois do Corona", que Pais deixa num consciente e vigilante artigo:

"Depois de toda esta situação em que o Mundo está praticamente de joelhos a um micro-organismo, várias questões me surgem enquanto tento desviar o meu pensamento de todas as pessoas que se encontram em risco - eu incluído. É engraçado como nunca tomamos real atenção a questões humanitárias até essas mesmas questões nos baterem à porta e ameaçarem tudo aquilo que conhecemos e que temos como garantido. Quanta arrogância de nossa parte, julgo.

Por um lado, temos neste momento um decréscimo assinalável de poluição, o que é óptimo para o planeta. Por outro, um flagelo que tentamos combater da melhor forma que conseguimos e que nos atingiu, por assim dizer, nas reais "bolas" (ou no respectivo das senhoras) com a força de um martelo pneumático: quem diria que o calcanhar de Aquiles da civilização "moderna" e capitalista seria tão pequena como um micro-organismo? É, no fundo, irónico.

Invariavelmente, todos os elos fracos que constituem a nossa hierárquica sociedade dita civilizada foram expostos, devido à imensa fragilidade em que se encontram, sem poderem contar com um apoio estatal que suporte a sua actividade. No meio de todo esse flagelo, encontra-se a Arte, toda ela de todo o tipo, que é composta por uma conhecida e "idolatrada subespécie" Humana a que gostamos de chamar "Os Artistas". Esses "parasitas" que povoam os nossos anúncios, que enchem salas de espectáculos, que viajam por entre cenas de séries, novelas, programas de entretenimento em geral, filmes e até - vejam lá bem! - em videojogos. Esses "parasitas" que mais não fazem senão usar o seu talento, conhecimento e predisposição para nos entreter e criar algo que "ninguém gosta" e que, afinal, nem tem assim tanto valor.

Falamos então de Música, neste caso em particular. Quem é que, afinal de contas, gosta de Música? E será assim tão importante que haja Música? Principalmente em tempos de CoVid-19, "Para que serve a Música?" dizem eles e elas, sentados nos seus belos lugares assentes numa qualquer Assembleia, menosprezando categoricamente os que cantam; os que tocam; os que interpretam; os que fazem sorrir; os que fazem chorar; os que simplesmente dão Vida a um qualquer lugar. Músicos. Técnicos. Managers. Promotores. Todos parados não só por um micro-organismo, mas também pela inércia de um Governo que, até à data, os abandonou à sua sorte.

Vivemos num País em que ser Músico requer em primeiro lugar um ilustre livro de contactos de renome, assim como um livro de recibos verdes - esse tão humano mecanismo de validação e liquidação de valores perfeitamente justo - e em que apoios estatais recaiem maioritariamente noutras áreas de espectáculo durante décadas a fio - ou não fosse a tauromaquia uma "prestigiada" e "nobre arte" que "merece" mais apoio do que qualquer outra actividade de entretenimento neste País de gente tão cosmopolita e culta! Enquanto isso, Músicos, Actores, Performers e todos os que neste momento são afligidos por várias dores provenientes do Estado, lutam para sobreviver.

Sem concertos, sem teatros, sem salas de espectáculo abertas, há que arranjar uma alternativa para se poder ganhar algum dinheiro para que se possa pôr um prato em cima da mesa ao final do mês. Muitos Músicos adoptaram as redes sociais como forma de virarem a mesa, de talvez colocarem um Ás na manga ao proporcionar-nos espectáculos ao Vivo com uma toada mais íntima, enquanto que outros se juntaram a outros Músicos e criaram temas em conjunto, partilhando o resultado nas mesmas redes.  Muitos se calaram, muitos protestaram, mas todos continuamos na mesma. E aqui já nem falamos de estilos Musicais: todos foram afectados, desde a banda mais Underground até à mais popular.

Estamos a viver tempos muito estranhos em que de repente todos se começam a aperceber do quanto importante é que hajam medidas de prevenção e apoios aos Artistas, aos que escolheram estudar e praticar Arte de forma a enriquecer a nossa Cultura - e eis aqui uma contrapartida interessante: os que enriqueceram a nossa Cultura são os que agora empobrecem por conta dela. Ingratidão será um termo parco para tudo o que está a ser feito por parte de um Estado que não sabe o que fazer ou que tem, pelo menos, as prioridades concentradas noutras vertentes.

Também devemos evidenciar de que não é fácil trabalhar para um Governo. Por melhores que sejam as intenções - e eu quero acreditar que haja quem as realmente tenha - não basta só dar um apoio moral aos que sempre viveram em função do entretenimento do próximo, mas realmente agir de forma a que novas condições sejam criadas e a Música, o Teatro, a Dança entre tantas outras Artes performativas possam voltar a ter o merecido reconhecimento por tudo o que fizeram por Nós e finalmente serem dignificadas como é devidamente merecido desde há tempo demais."

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